Assimetrias entrelaçadas: sobre o “complexo hierárquico” Eyiguayegui-Guaná

Gabriela de Carvalho Freire

Resumo


: O artigo pretende repensar aquilo que, desde o século XVI, vem sendo chamado “relações hierárquicas” no Gran Chaco. Por meio da análise de relatos de missionários, viajantes e exploradores, além de produções antropológicas, procuro demonstrar as contradições presentes na utilização de termos como “servidão” e “hierarquia”, encontradas em grande parte da literatura sobre os povos Eyiguayegui e Guaná. Para isso, discuto a origem dos etnônimos utilizados na literatura e sua interminável mutabilidade, as maneiras encontradas pelas fontes e antropólogos para delimitar os “grupos” chaquenhos, as relações entabuladas por essas populações, o conceito de simbiose e a noção mesma de “servidão”, muito atrelada às descrições desse “complexo hierárquico”. O argumento central é o de que, para que possamos compreender essas relações, os dados encontrados nas fontes históricas devem ser lidos em paralelo com as produções atuais da etnologia americanista, além, é claro, de passar pela crítica kadiwéu, terena e kinikinau, atuais descendentes dos Eyiguayegui e Guaná.


Palavras-chave


Eyiguayegui-Kadiwéu; Guaná-Terena-Kinikinau; Gran Chaco; formas políticas ameríndias; hierarquia.

Texto completo:

PDF

Referências


AGUIRE, D. Juan Francisco. Etnografía del Chaco. Manuscrito del Capitán de Fragata D. Juan Francisco Aguirre. Boletin del Instituto Geográfico Argentino, Buenos Aires, tomo XIX, p. 465-511, [17930] 1898. 

AZARA, Félix. Viajes por la América Meridional. Madrid: Calpe, [1809] 1923. v. I.

BALDUS, Herbert. Introdução. In: BOGGIANI, Guido. Os Caduveos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p. 11-46.

BONILLA, Oiara. O bom patrão e o inimigo voraz: predação e comércio na cosmologia Paumari. Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 41-66, 2005.

CABEZA DE VACA, Álvar Nuñes. Naufrágios e comentários. Porto Alegre: L&PM Editores, [1555] 1987.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Enigmas e soluções: exercícios de etnologia e de crítica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará. 1983.

CARVALHO, Silvia Maria Schmuziger. Chaco: encruzilhada de povos e “melting-pot” cultural. Suas relações com a bacia do Paraná e o Sul mato-grossense. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 2002.

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac Naify., 2003.

COMBÈS, Isabelle; LOWREY, Kathleen; VILLAR, Diego. Comparative studies and the South American Gran Chaco. Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, v. 7, n. 1, p. 69-102, 2009.

DRAGO, André. Formas políticas ameríndias: etnologia jê. 2012. Orientadora:  Profª Drª Beatriz Perrone-Moisés. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

FARON, Louis; STEWARD, Julian. Native peoples of South America. New York: McGraw-Hill, 1959.

FRANCO, Patrick Thames. Os Terena, seus antropólogos e seus outros. 2011. Orientador:  Prof Dr José Antonio Vieira Pimenta. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2011.

FREIRE, Gabriela de Carvalho. Distinções eyiguayegui. 2018. Orientadora: Profª Drª Beatriz Perrone-Moisés. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

GUERREIRO JR., Antônio. Ancestrais e suas sombras: uma etnografia da chefia kalapalo e seu ritual mortuário. 2012. Orientadora: Profª Drª Marcela Stockler Coelho de Souza. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

HERBERTS, Ana Lucia. Panorama histórico dos Mbayá-Guaikuru entre os séculos XVI e XIX. In: JOSÉ DA SILVA, Giovani (Org.). Kadiwéu: senhoras da arte, senhores da guerra. Curitiba: Editora CRV, 2011. p. 17-47.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, [1955] 1996. “Parte V – Cadiueu”; “Nalike”, p. 163-210.

LÉVI-STRAUSS, Claude. História de lince. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O desdobramento da representação nas artes da Ásia e da América. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 347-387.

LOWIE, Robert. Social and political organization of the tropical forest and marginal tribes. In: STEWARD, Julien (Ed.). Handbook of South American Indians. Washington D.C.: Government Printing Office, 1948. v. 5, p. 313-50.

MENGET, Patrick. “Jalons pour une étude comparative” in Journal de la Société des Americanistes v. 71. 1985. pp. 131-141.

MÉTRAUX, Alfred. Ethnography of the Chaco. In: STEWARD, Julien (Ed.). Handbook of South American Indians: the marginal tribes. New York: Cooper Square Publishers, 1946. v. I, p. 197-370.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “O estudo do político entre os indígenas americanos: alguns marcos teóricos e metodológicos”. Relatório de Pesquisa (Proc. FAPESP 02/04041-9) Ms, 2003.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. 2006. “O mistério das confederações”. Comunicação simpósio “Guiana ameríndia: etnologia e história”, Belém, Ms. Disponível em Academia.edu. 2006.

PERRONÉ-MOISÉS, BEATRIZ. “L'alliance normando-tupi au XVIe siècle: la célébration de Rouen” in Journal de la Société des Américanistes, v. 94, n. 1. 2008. pp .45 – 64

PERRONÉ-MOISÉS, BEATRIZ. Festa e Guerra. São Paulo, Universidade de São Paulo: Tese de Livre-Docência, 2015.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz & SZTUTMAN, Renato. “Notícias de uma certa confederação tamoio” in Mana v. 16, n. 2. 2010. pp. 401-433.

PIMENTEL, Spensy Kmitta. Elementos para uma teoria política kaiowá e guarani. 2012. Orientadora: Profª Drª Beatriz Perrone-Moisés. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

RADIN, Paul. Indians of South America. New York: Doubleday & Company, Inc., 1946.

RAMOS, Alcida Rita. Hierarquia e simbiose: relações intertribais no Brasil. Brasília: Hucitec, 1980.

RICHARD, Nicolás. La querelle des noms. Chaînes et strates ethnonymiques dans le Chaco boreal. Journal de a Société des Américanistes, v. 97, n. 2, p. 201-30, 2011.

RICHARD, Nicolás. Les chiens, les hommes et les étrangers furieux. Archéologie des médiations indiennes dans le Chaco boreal. 2008. 2 v. Orientador:  Prof Dr Jesús Garcia-Ruiz. Tese (Doutorado) - École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2008.

RICHARD, Nicolás; COMBÈS, Isabelle. O complexo alto-paraguaiense: do Chaco a Mato Grosso do Sul. In: CHAMORRO, Graciela; COMBÈS, Isabelle (Org.). Povos indígenas em Mato Grosso do Sul: história, cultura e transformações sociais. Dourados, MS: UFGD, 2015. p. 231-48.

RODRIGUES, Valéria Nogueira. “Os índios Kadiwéu no séxulo XIX: alteridade, identidade e transculturação”. 2009. Orientador: Prof. Dr. Otávio Navarros. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Mato Grosso. 2009.

SÁNCHEZ-LABRADOR, José. El Paraguay Católico. Buenos Aires: [s.n.], [1770-1776] 1910. 2 v.

SANTOS-GRANERO. Fernando. Vital enemies: slavery, predation and the Amerindian Economy of Life. Austin: University of Texas Press, 2009.

SCHMIDEL, Ulrich. Relatos de la conquista del Rio de la Plata y Paraguay 1534-1554. Madrid: Alianza Editorial, [1602] 1986.

SUSNIK, Branislava. El indio colonial del Paraguay v. 3. Asunción: Museo Etnografico Andres Barbero, 1971.

SUSNIK, Branislava. Dimensiones migratorias y pautas culturales de los pueblos del Gran Chaco y de su periferia (enfoque etnológico). Asunción: Universidad Católica Nuestra Señora de la Asunción, 1972.

SUSNIK, Branislava. Los aborigenes del Paraguay,v. 3. Asunción, Museo Etnografico Andres Barbero, 1972.

SZTUTMAN, Renato. O Profeta e o Principal: A ação política ameríndia e seus personagens. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

TOLA, Florencia Carmen. “Introducción. Acortando disatancias: El Chaco, la antropología y la antropología del Gran Chaco” in Ontologia, poder, afectividad. Buenos Aires: Rumbo Sur, Colección etnográfica. 2013. pp. 11-37.

VILLAR, Diego; CÓRDOBA, Lorena. Relaciones interetnicas, etnonimia y espacialidad: el caso de los panos meridionales. Boletín Americanista, Barcelona, Espanha, n. 60, p 33-49, 2010.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “Hierarquia e simbiose em questão” in Anuário Antropológico v. 81. 1983. pp. 252-262.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosas Naify, 2002.




DOI: http://dx.doi.org/10.20435/tellus.v19i39.573

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


ISSN Impresso: 1519-9452 - até TELLUS ano 14, n. 27, jul./dez. 2014
ISSN Eletrônico: 2359-1943